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Texto: A liberdade que a floresta me traz


Quando eu tinha uns 12 ou 13 anos, meu pai comprou uma casa, em Peruíbe. Se houvesse duas casas construídas na estância, era muito. Nossa casa era bem simples, nem estava toda rebocada ainda e, segundo minha mãe era preciso uma grande reforma, mas aos meus olhos e das outras crianças ela era perfeita.


A casa foi praticamente de graça para o meu pai e nós, as crianças, tínhamos teorias interessantes sobre isso. Minha avó tinha me emprestado O Poderoso Chefão e, empolgada, contei a história para os meninos. Talvez meu pai fosse como Don Corleone e alguém lhe pagou um favor com a casa. Ou a que mais acreditávamos: a casa era assombrada. Tinha até um quartinho em que nós nunca, em hipótese alguma, entrávamos porque o fantasma do antigo morador morava lá.


Esse quartinho ficava bem atrás da porta em que minha cama acabou ficandoe me lembro de ter ficado apavorada quando decidi ler meu primeiro livro do Stephen King ali. Olha, acho que nunca corri tão rápido atrás do meu avô.


Mas, tirando os medos e sustos que nós demos uns nos outros enquanto crescíamos e no quanto essa casa se tornou traumática uns anos mais tarde para mim, eu preciso dizer o quanto a mata que a envolvia me fazia bem.


Nós pulávamos o córrego do outro lado da rua e a mata fechada nos cercava, libertando meu mundo inteiro. Corríamos e nos escondíamos lá dentro por horas e não havia adulto que nos encontrasse. Havia uma clareira no centro e nós nos reuníamos ali. Nosso lugar. Tudo de ruim ficava do lado de fora.


Uma vez, roubamos a bota do meu avô. Bem, a bota de um espanhol não é um calçado, é um recipiente cheio de vinho. Bebemos tudo, ficamos borrachos e caímos dentro do córrego ao atravessar nossa ponte improvisada. Apanhamos depois (o que era comum, mesmo quando não havia motivo), mas dessa vez apanhamos rindo.


Nessas jornadas, topamos com cobras, lagartos, macaquinhos, bichos-preguiça, pássaros e borboletas. Era a casa deles e eles a compartilhavam conosco.


Lembro que quando minha liberdade foi sendo tirada era naquelas matas que eu me sentia livre. Às vezes, eu saía de lá sangrando por causa de uma aventura ou outra, mas eu amava aquelas marcas. Eram marcas de guerra em meio às marcas de cinta e pau. Elas sinalizavam que eu ainda estava lutando. Eu resistia.


Resisti enquanto pude.


Os eventos traumáticos vieram, o tempo passou, a casa não era mais nossa e eu me esqueci daquela sensação... eu mal me lembrava do brilho nos olhos daquela menina. Mantive parte dela comigo, mas me esqueci de como era SER ela.


Até bem recentemente quando a mata escolheu me envolver outra vez e, por mais de uma razão, voltei a ser aquela menina. Eu já tinha reconquistado a minha liberdade, mas cercada pela floresta, eu me reconectei à menina desbravadora.


Uma vez, Deus me disse que tudo aquilo que fora tirado me seria devolvido. Eu guardei essa palavra, mas fui surpreendida pelo passado envolvendo minha vida e me devolvendo sensações há muito tempo esquecidas.


Agora a menina divide meu coração com a mulher que eu me tornei e ambas estão orgulhosas de quem somos juntas.


A paz e a felicidade me envolvem. Enfim, reencontrei as borboletas e voltei para casa.

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